"Khairiyya, para de falar e come essa comida antes que esfrie, já te avisei trocentas vezes pra parar de tagarelar até depois de comer, mas você não me ouve." Hajiya Maryam ralhou com a filha como se ela tivesse 2 anos de idade. Ela e os irmãos estavam conversando desde sempre, esquecendo que estavam comendo.
"Mas mãe, eu só estava mostrando uma coisa no meu celular pro Sabir, ele tava me enchendo o saco pra mostrar há séculos..."
"E você ainda tá falando, né?"
Ela não teve outra opção a não ser ficar quieta e continuar comendo, mas a mãe não parava de reclamar, continuou com aquelas palestras de sempre que já estavam acostumadas.
"Quantas vezes eu vou ter que te avisar pra parar de trazer essas coisas pra cá?" ela apontou pro celular em cima da mesa.
"Só sabem fazer isso, terminem de comer e depois podem usar os celulares de hoje até a eternidade."
Khairiyya e os irmãos trocaram olhares antes de balançar a cabeça. A mãe deles dava bronca em todos, do mais velho ao mais novo, sempre que eles falavam ou usavam os celulares enquanto comiam, e eles estavam tão acostumados com aquilo que não conseguiam abandonar o costume. Continuaram comendo em silêncio até que a mãe notou outra coisa.
"E você, mocinha, o que tá fazendo?"
Khairiyya largou a garrafa de Coca-Cola que estava bebendo e olhou pra mãe, se perguntando o que tinha feito de errado de novo.
"Onde estão as suas boas maneiras? Uma moça não pode beber direto da garrafa, tem que colocar num copo e tomar devagar, com classe, ou, melhor ainda, usar um canudo, até homem não faz isso porque é muito nojento, para com isso."
Os irmãos não conseguiram segurar a risada e riram alto, o que irritou Khairiyya, porque ela não via nada de errado em beber da garrafa, era mais gostoso do que colocar num copo sem graça. A mãe vivia ralhando e corrigindo ela por causa disso desde que ela se entendia por gente, mas estava no sangue, então ela não conseguia parar.
"Desculpa, mãe." A voz suave e gentil dela era calmante, o que fez a mãe sorrir docemente.
"Tudo bem, meu amor, da próxima vez use sempre um copo."
Ela fez bico depois que a mãe disse isso, e a mãe sorriu.
"O que foi, meu amor?"
"Mãe, você sabe que eu não gosto quando você me chama assim, eu não sou mais bebê, sou uma mocinha."
A mãe riu de coração e os meninos se juntaram a ela.
"Mas você é meu bebê e sempre vai ser, você sempre, para sempre, vai ser o bebê da sua mãe, meu amor."
"Ah, mãe, eu tenho 23 anos, olha pra mim, tô toda crescida, já deixei aquela fase de bebê pra trás." Ela jogou a mão sobre os ombros dramaticamente. Isso fez a mãe rir ainda mais. Agora, estavam sentados nas cadeiras chiques da sala de estar mega cara. Sabir e Ibrahim tinham ido pros quartos, deixando a mãe e suas duas preferidas, Khairi e Sadeeq, sozinhas.
"Mesmo depois do Sabir, você ainda era meu bebê, porque você era um bebê tão lindo e grudento, sempre tava comigo, diferente dos meninos, que só me procuravam quando estavam com fome, o que ainda acontece agora, mesmo sendo homens crescidos. Por isso você ainda é meu bebê grudento." Ela abraçou Khairiyya de lado, fazendo ela encostar a cabeça no ombro da mãe.
"Mãe, mas eu era mais próxima de você que o bebê, até ela chegar e tomar meu lugar na marra." Sadeeq fingiu estar magoado, colocando a mão no peito.
"Irmão, você já é muito grande pra ser bebê." Khairiyya provocou ele.
"Isso era antes, como você ia estar perto de mim se vive sumida, nem lembro a última vez que você passou uma semana inteira em casa comigo." Havia um brilho de dor nos olhos da mãe.
Khairiyya se perguntou como a mãe conseguia passar tempo com qualquer um deles, já que vivia viajando pra lá e pra cá. A mãe era uma mulher ocupada, que não tinha muito tempo pra eles, uma parte do tempo pra o trabalho e outra maior viajando, mas eles ainda se viravam e apreciavam o pouco tempo juntos. E lá estava ela, reclamando que Sadeeq não passava tempo com ela.
"Aí de novo, mãe, você sabe como eu adoro passar tempo com você, mas é o trabalho que consome muito do meu tempo, e, além disso, você é ainda mais ocupada do que eu, então nós dois quase não temos tempo pra perder, só quando nossas férias coincidem. Entende, essa é a razão. Mas você sabe que eu adoro quando estamos todos juntos e a casa tá cheia." Ele se espreguiçou no sofá, colocando uma perna sobre a outra.
"Tudo bem, eu também tô sempre ocupada, você sabe como eu adoro viajar e explorar o mundo, conhecer gente nova, mas, ultimamente, vou ter que diminuir isso pra poder passar mais tempo com vocês, filhos. Sadeeq, faça o seguinte, se case por aqui, pra eu ter meus netos perto de mim, porque eu vou mimá-los muito." Khairiyya e Sadeeq apenas trocaram olhares, rindo em silêncio.
Hajiya Maryam ajustou a posição na cadeira pela enésima vez, sentando na beirada, Khairiyya se levantou, pegou uma almofada e colocou do lado da mãe, pra ela poder apoiar o braço, o que fez a mãe sorrir com o gesto gentil e carinhoso.
"Falando nisso, você conheceu a filha da Hajiya Aisha Tambuwal no outro dia, eu te mandei lá." Ela perguntou pra Sadeeq, que se sentiu desconfortável depois que ela disse isso.
"Sim, mãe, conheci. Preciso pegar uma coisa no quarto, já volto." Ele se levantou rapidamente, saindo da sala de estar antes que a mãe começasse as palestras de casamenteira perfeita.
"E onde você pensa que vai? Volta aqui e me conta tudo em detalhes, espero que não tenha me decepcionado dessa vez, como na última." Khairiyya riu da mãe.
"Você sabe como o Yaya se sente em relação a isso, ele não gosta quando pedem pra ele conhecer as moças. Ele fica muito desconfortável com isso." Ela colocou a mão sobre a da mãe, tentando fazê-la entender.
"Claro que sei, mas é bom que ele entenda que não tá ficando mais novo, então acho que já passou da hora de escolher entre as muitas garotas que já apresentaram pra ele. Me pergunto por que, em nome de Allah, nenhuma dessas garotas bonitas conquistou o coração dele." Ela reclamou, balançando a cabeça.
"Sim, mãe, eu também me pergunto." Khairiyya sabia muito bem como o irmão detestava os encontros arranjados, nos quais a mãe tanto acreditava. Ela achava que escolher os parceiros para eles era o melhor, eles mereciam parceiros da mesma classe social, e às vezes esquecia que o amor é e tem que ser a base de todo relacionamento, não bens materiais, riquezas ou uma vida de luxo.
Sadeeq voltou pra sala de estar alguns minutos depois, a mãe levantou a cabeça pra olhar pra ele.
"Já terminou de fugir, então, bem-vindo de volta, agora me conta como foi o encontro com a garota."
Sadeeq deu uma risadinha. "O encontro foi bom, mas, como sempre, você sabe como esse tipo de encontro costuma terminar pra mim. Então, tudo bem."
"Como assim? Você não gostou da garota? Ela não era bonita? Ou a garota não é seu tipo? Tem algum problema com ela?" A mãe perguntou, chocada.
"A garota era legal. Só não me interessei, então falei pra ela, e ela também ficou de boa, porque ela já tem alguém que ama, então tá tudo certo. Sem problemas."
"Eu queria muito essa garota pra você, porque acho que você nunca vai encontrar alguém melhor do que ela, ela é advogada, muito bem educada e com boas maneiras, então seria uma boa esposa e uma mãe perfeita." A mãe continuou falando.
Khairiyya quis falar alguma coisa, mas decidiu não fazer, ela conhecia a garota por meio da melhor amiga, Suhaila, então era pra ela estar contando pra mãe quem era, porque, obviamente, a mãe não conhecia bem a garota. A garota era filha única e muito mimada, e não era respeitosa, como a mãe disse, aquela garota estava longe disso. Ela não estava pronta pra casar, porque achava que era muito moderna pra isso, porque se sentia superior a qualquer cara que chegava perto dela. A garota não tinha nada de material pra ser esposa. Então, por que o irmão dela casaria com alguém assim?
Khairiyya se levantou, pegou o celular e subiu as escadas pro quarto, um banho gelado e um bom cochilo era tudo que ela precisava. Deixou a mãe e o irmão ainda falando da garota que Sadeeq não tinha o menor interesse.
Ela abriu a porta e entrou, e só de ver a cama king size arrumada perfeitamente com lençóis vermelhos borgonha que combinavam com as cortinas, ela já quis deitar na hora, mas tinha que tomar banho. Se despir e envolveu uma toalha, entrou no banheiro enorme, que parecia muito acolhedor e incrível. Depois de tomar banho, trocou de roupa, colocou um roupão folgado, e pulou na cama quentinha, porque já sentia os olhos fechando sozinhos.
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Ummul Khairi Abdulwahab Dangote, carinhosamente chamada de Khairiyya, é uma mulher de 23 anos, filha de Maryam Sa'id Abubakar, cirurgiã, e do famoso e influente magnata bilionário do petróleo e gás, Abdulwahab Dangote, um dos empresários extremamente poderosos e ricos do país. Ela tem 3 irmãos, Sadeeq, 28, Ibrahim, 26, e Sabir, 18.
Nascida com uma colher de prata e vinda de uma das famílias mais ricas e privilegiadas, composta por magnatas dos negócios e por parentes maternos da realeza, composta por médicos e advogados formados. Ummul Khairi era uma garota que sentia o mundo no bolso, tinha tudo o que uma pessoa sempre desejaria na vida, que era a definição completa de sua origem crème de la crème. Ela tinha tudo o que pedia em um piscar de olhos, mas não era mimada, sabia como era a vida e fazia questão de sempre fazer a coisa certa para agradar os pais, para que eles sempre se orgulhassem dela.
Ela era graduada em uma das universidades mais honradas do mundo, onde fez uma graduação seguida de um mestrado bem-sucedido em Design de Moda. Desde criança, ela era uma criança criativa que adorava desenhar e costurar vestidinhos para seus bichinhos de pelúcia. Design de moda sempre foi seu sonho quando crescesse, o que a fez ir muito longe para ver seu sonho se realizar, estudando isso na universidade e estabelecendo sua linha de moda de sucesso chamada 'Khair's Designs', com uma empresa de moda muito conceituada na Nigéria.
Mesmo que a mãe considerasse seus diplomas 'inúteis' e uma completa perda de tempo, isso nunca incomodou Ummul Khairi, porque ela amava aquilo mais do que tudo, a deixava orgulhosa de realizar o que desejava. Quando a mãe entendeu que Khairiyya queria fazer sua graduação em design de moda, ela implorou e pediu para que a filha abandonasse isso e estudasse um curso 'influente' que combinasse com ela e sua origem, um curso como Medicina ou Direito: o que toda sua família materna se especializava.
Khairiyya sentia que uma família cheia de juízes, procuradores, advogados, pediatras, cirurgiões e médicos era um tédio, então uma pequena mudança nisso era bom. Sua mãe achava que Ummul Khairi era muito teimosa e não teve outra opção a não ser deixar a filha estudar o que queria. E quando o pai lhe deu todo o apoio, Khairiyya estudou design de moda, porque era seu sonho, o pai não podia negar a única filha o que ela queria, ele simplesmente não podia. O amor que ele sentia por ela era tanto que ele a deixou ter tudo o que ela queria do jeito certo, vantagens de ser a garota do pai e ser a única filha que ele teve. Ele sempre se orgulhou da mulher independente e forte que sua filha era.