“Quê? Por que você esqueceu uma coisa tão importante como essa?”
Eu tava andando pelas ruas de Manhattan quando meu telefone tocou e me tirou da minha rotina normal. Eu comecei a fazer isso uns dois anos atrás, quando minha mente tava cheia de problemas não resolvidos.
Aí, do nada, eu tava fazendo isso todo santo dia. Andando. Meditando.
“Você pode ir na reunião no meu lugar, Kur. Me desculpa se eu esqueci totalmente disso.” Eu ouvi a preocupação e o arrependimento na voz da Quinn. Levantei a sobrancelha, quase desacreditada da sugestão absurda dela.
Eu sei que tô reconquistando a confiança deles aos poucos. Mas será que tá tudo bem mesmo eu assumir o lugar dela nessa reunião super importante com um cliente grande? Tô até duvidando de mim mesma.
“Não se preocupa. Eu conheço o Nile Veselov. Ele é amigo da família, tenho certeza que vai entender.” Ela adicionou com uma confiança e alegria absurdas. A animação no tom dela não aliviou em nada a minha situação.
Por que ela não mencionou que ia viajar com a família e o noivo dela? Por duas semanas ainda por cima… em Paris!
“Eu acho que não-”
“Ah, qual é, Kur. Por favor.” Ela interrompeu. Uma longa pausa silenciou nossa conversa. “Talvez essa seja sua chance…” Ela deixou a frase no ar, mas eu sei onde essa parada ia dar.
Eu não falei nada por um tempão, e isso fez a Quinn chamar minha atenção várias vezes. Eu sempre tenho um ponto fraco por essa mulher.
“Tá bom. Beleza.” A Quinn suspirou aliviada e feliz.
A ligação acabou com ela me agradecendo sem parar. Eu conseguia ouvir a animação na voz dela pela viagem antes dela desligar. Ela tava tão feliz, e isso era contagiante. Mas a sensação durou pouco, porque eu me vi de novo diante da realidade.
Eu demorei um tempão sem me mexer do lugar. Olhei pra cima, pensando. A luz do sol tava caindo em mim, sentindo o calor que o começo do verão tava trazendo. Um monte de gente já tinha passado por mim, esbarrando nos meus ombros. As conversas e risadas deles passaram voando por mim. Parecia que eu era a peça central desse relógio, enquanto o ponteiro grande e o pequeno continuavam girando, e eu só tava aqui, parada.
Suspirei, tentando me livrar da minha preocupação desnecessária. Caminhei e caminhei até chegar na Veselov Industries. Fui grata por não ter um horário específico pra reunião. O CEO tava disponível o dia inteiro. Era só eu entrar lá e me mostrar. E aí a gente conversava.
Eu esqueci de falar pra ela que eu meio que dei uma desligada na reunião do conselho, então não ouvi direito a parte em que a Runner Studios, nossa empresa, ia ter um cliente fodão. Veselov Industries, no caso. Uma empresa gigante, famosa pelas suas tecnologias futuristas e avançadas. Acho que só ouvi a parte em que eles iam ter um evento promocional… ou era um evento de lançamento. De qualquer jeito, a Runner Studios teve a chance de organizar o evento e fazer a produção.
Você vê por que minha preocupação não era exagerada, né?
Esse provavelmente é o prédio mais alto de Nova York. Pensei, sentindo tontura ao olhar pra cima do prédio enorme, os raios de luz me cegando, se espalhando no vidro. Disseram que o prédio todo era dos Veselovs. A recepcionista teve dificuldade em acreditar em mim quando eu disse que era representante da Quinn Anderson. Os olhos dela arregalaram quando ela viu as tatuagens decorando meus braços pálidos enquanto eu mostrava meu cartão de identificação.
Assim que vi o elevador abrir, não esperei o sinal dela pra entrar. Fui pra lá, ignorando os chamados dela. Quando as portas fecharam, vi a agitação estampada no rosto dela. Dei um sorrisinho pra ela.
Quando cheguei no andar, notei uma mesa vazia, que provavelmente era da assistente dele. Não esperei por ele ou ela e fui direto pra porta do escritório do CEO. Bati três vezes antes que a voz do outro lado dissesse pra entrar.
Era de se esperar, encontrei um homem de terno e gravata pretos. Ele tava sentado atrás da mesa, com o rosto enterrado nos documentos que tava assinando às pressas. O barulho da porta fechando finalmente tirou ele da concentração profunda dele. Tinha uma carranca no rosto dele, que não saiu nem quando a atenção dele mudou pra outra coisa, ou talvez pra mim.
Eu não fiquei ofendida. Sério. Não fiquei ofendida nem um pouco quando a carranca de repente virou uma careta. Tenho que dar o braço a torcer pra ele. A careta pode ser feia, mas o rosto dele não era. O homem era, sem dúvida, atraente. Surpreendentemente, a beleza dele era andrógina. Com um cabelo preto meia-noite, um nariz bonito e esculpido, lábios pintados com uma cor vibrante, com um artista colocando muitos detalhes e uma mandíbula forte e bem definida que trazia distinção, mostrando que suas características eram mais masculinas do que femininas.
Quando nossos olhos se encontraram, eu tive certeza que tava olhando pro meu próprio par de olhos castanhos claros. Todo mundo que eu conhecia se sentia atraído pelos meus olhos. Eles diziam que eram os mais claros que já tinham visto. A Quinn nunca tinha me dito que existia alguém que tinha o mesmo par de cores. A única diferença era que tava protegido pelas armações dos óculos dele.
Sacudi o olhar de choque que eu tinha, quando percebi que eu só tava parada, olhando pra ele. Limpei a garganta pra falar e provavelmente quebrar a atmosfera tensa que tava rolando. Mas ele foi mais rápido.
“Não me lembro de ter autorizado minha secretária a deixar alguém entrar.” Ele afirmou friamente. Os olhos dele viajaram da minha cabeça até a ponta dos meus pés. Julgando, posso acrescentar.
O cara, obviamente, tem um problema de atitude.
“E aí.” Provavelmente não foi uma boa maneira de começar minha apresentação. Ok, talvez horrível ou péssima.
Limpei a garganta com a esperança de me salvar. “É… eu sou a Kura. Representante da Quinn.” Pelo menos não gaguejei. Teve umas pausas desnecessárias, mas… dei de ombros com o pensamento.
Ele levantou a sobrancelha. Engraçado, porque ele parecia não acreditar em mim. A carranca dele se aprofundou, que, claro, foi a cereja do bolo.
Eu nunca fui boa com reuniões formais, nunca fui boa com discussões formais. Eu era uma merda nisso. É por isso que eu sempre tava na parte de trás do nosso trabalho. Eu era completamente prática. Quinn e Belle eram as que tinham o dom da lábia.
O que me fez questionar a decisão da Quinn de novo. Ah, certo, porque eu era a única que tava disponível entre as diretoras.
Ele zomba, deixando cair a caneta com força demais. Cruzou os braços, como se pra dizer que ele era o chefe de todo esse prédio. Bom, obviamente. “Você espera que eu acredite em você? Minha recepcionista acabou de me telefonar que uma mulher estranha passou por ela sem esperar a confirmação. Sorte sua que minha secretária saiu pra almoçar. Você não teria pisado aqui dentro.”
Apertei os dentes. “Com licença?” Esse babaca é completamente arrogante. Quem ele pensa que é? Nosso cliente fodão. É isso que ele é. E se eu estragar tudo, provavelmente tô além da salvação. Então, tive que me impedir de redecorar o rosto dele com o meu punho.
“Você é desrespeitosa, se veste e fala de forma não profissional, tem tatuagens que parecem que você trabalha com a máfia. Quer que eu continue?”
Que merda, Quinn. É melhor você ter uma boa explicação pra isso.