Parecia que não parava de chover. Estava assim há umas cinco horas. Julião encostou-se no sofá, fechou os olhos e tentou ignorar a conversa animada à sua volta. Abriria os olhos de vez em quando, quando ouvia uma risada ou um grito de Sam. Este último estava definitivamente a aproveitar a vida. Tinha sido promovido no trabalho, daí o clima de celebração.
Por mais que tentasse, Julião sabia que era inútil. Ele ia fazer parte da festa, quer gostasse ou não. A sala de estar estava preparada para isso. A grande mesa de mogno no centro estava adornada com todo o tipo de bebidas. A poucos metros de onde Sam estava a conversar com sua namorada, Cheryl, estava outra mesa grande com muitos petiscos em cima. Nancy, colega de Julião, estava sentada em outro sofá com Trish, folheando uma revista. Julião observava como os olhos dela se estreitavam atrás dos óculos toda vez que ela virava uma página. Ao lado delas, Randal revirava a geladeira à procura de uma cerveja. Julião não conseguiu evitar balançar a cabeça com o entusiasmo cada vez maior do seu melhor amigo pela bebida. Ele observou quando O homem de cabelo castanho franziu a testa por não ver a sua marca preferida.
"Ei, Sam." Randal virou a cabeça para o casal a conversar. "Não compraste Goldberg?"
"Desculpa, mano." Sam respondeu despreocupadamente. "Esqueci. Por que não experimentas Star?"
"Claro, por que não?" Randal sussurrou enquanto uma carranca aparecia no seu rosto. Ele estava claramente desapontado, mas que escolha ele tinha? Ele resmungou enquanto pegava na marca mencionada e bateu a porta da geladeira.
Julião suspirou e encostou-se no sofá pela centésima vez. Ele não queria estar ali. Havia coisas melhores que ele preferia passar o tempo a fazer. Assistir a um filme. Comer todo tipo de porcaria. Qualquer coisa menos estar numa reunião. Aparentemente, a chuva tinha outros planos, pois nunca parou, mesmo quando ele saiu do trabalho e foi para casa. Ele não teve escolha a não ser ceder à insistência de Sam em fazê-lo ficar até que a chuva diminuísse. O que não parecia que ia acontecer tão cedo. Pelo contrário, para sua fúria, intensificou-se.
"Como pode chover durante cinco horas?" Ele resmungou.
"Julião?" Uma voz suave foi ouvida assim que ele fechou os olhos.
Ele abriu os olhos novamente para ver Nancy parada bem na frente dele. Ela deu-lhe um olhar inquisitivo enquanto esfregava o antebraço. Um hábito que ela usava desde que se conheceram no ensino médio.
O que deixou Julião perplexo naquele momento, no entanto, foi como ele nunca ouviu ela se aproximar naquele momento.
"Sim? O que se passa?" Ele perguntou.
"Nada de grave. Eu só pensei que podia fazer-te companhia. Pareces entediado." Nancy disse enquanto se sentava ao lado dele. Ela ajeitou os óculos e colocou algumas mechas do seu cabelo preto atrás da orelha.
"Eu não só pareço entediado, Nancy. Eu estou entediado." Julião franziu a testa.
Nancy suspirou enquanto puxava a manga da sua blusa vermelha. Às vezes ela se perguntava por que sempre se dava ao trabalho de tentar animá-lo. Ele era sempre a personificação ambulante da depressão. Nunca ria. Raramente sorria. Anti-social. Era como se ele estivesse a tentar proteger-se do mundo. Sua única consolação era que ele falava com ela pelo menos. Ela e algumas outras pessoas.
"Bem, podias juntar-te a Randal para uma cerveja?" Ela brincou.
Julião deu-lhe um olhar vazio.
"Desculpa, engano meu. Esqueci que não bebes." Ela deu uma risada nervosa.
Julião estava prestes a responder quando avistou Trish a caminhar na direção deles. Ele suspirou e apertou a ponte do nariz em frustração. Ele sabia naquele momento que A loira ia piorar as coisas para ele.
"Ei, Nancy. Deixaste-me pendurada lá atrás. Isso é feio." Trish fez beicinho enquanto se sentava do outro lado de Julião.
"Desculpa?" Nancy respondeu. Sua sobrancelha levantada espelhava sua confusão. Ela tinha certeza de que se lembrava de se desculpar antes de deixar Trish a olhar para a revista sozinha.
"Tudo bem. Perdoo-te, querida." Trish riu de maneira infantil. Ela então voltou sua atenção para Julião.
"Qual é o problema? Não estás a gostar da festa, Julie?" Ela deu-lhe um sorriso malvado.
"Eu já te disse várias vezes para não me chamares assim." Julião olhou para ela.
"Chamar-te o quê? Julie? Ah, qual é, é um nome fofo. Sei que adoras." Trish riu enquanto bagunçava o cabelo preto dele brincando.
Julião não disse nada, mas Nancy podia ouvir um leve estrondo. Parecia mais um rosnado baixo vindo de dentro dele. Não era novidade que Julião e Trish não se davam bem. Ela sempre tentava encontrar uma maneira de irritá-lo. Nancy sabia que era apenas a maneira da sua amiga se divertir, mas ela podia dizer que Julião estava particularmente uma bomba-relógio hoje e qualquer leve provocação poderia causar o caos na festa de Sam.
"Trish." Nancy lançou à sua amiga um olhar de aviso.
"Ok." Trish levantou as mãos em rendição. "Vou deixar o teu namorado em paz."
Nancy corou muito enquanto Julião limpava a garganta e puxava o cabelo para trás. Trish sabia que eles não estavam num relacionamento, mas ela não conseguia evitar provocar o assunto, considerando o facto de que ela sabia dos sentimentos de Nancy pelo lobo solitário. Isso era muito divertido.
"Sabes de uma coisa? Tenho uma ideia de como tornar as coisas agradáveis para todos." Trish disse.
"Devo mesmo perguntar?" Julião murmurou.
Trish ignorou-o e voltou sua atenção para os restantes participantes da festa.
"Ei, pessoal!" Ela gritou, chamando a atenção de todos. "Que tal jogarmos um jogo de verdade ou consequência?"
Sam e Cheryl ficaram intrigados. Os olhos de Randal brilharam de alegria. Nancy revirou os olhos azuis por baixo dos óculos. Julião gemeu em agonia.
"Fico feliz em ver que todos estão interessados." Trish sorriu, ignorando o olhar fulminante que Julião lhe lançou.
"Juntem-se todos." Sam disse quando se aproximou, de mãos dadas com Cheryl. Randal atirou-lhe uma garrafa de plástico que ele apanhou.
"Que comece a diversão." Trish sorriu.